quinta-feira, 21 de maio de 2015

Notícia - Conto II (revisão)



    Aqui vai o meu segundo conto curtinho, de apenas uma página. História bacana e emocionante. Uma ideia que, hoje, não sei dizer de onde veio a inspiração. Eu gostei muito desse texto, fiz uma revisão mínima, e repostei, leiam (por favor) e me digam o que acharam:


 Notícia 

 

   Em pensar que às vezes nem sempre é bom saber o que se passa consigo mesmo. Não foi diferente comigo. Um dia, estava eu nos meus afazeres do trabalho – eu trabalhava num Jornal, organizando e formatando páginas dos periódicos – quando li uma notícia que me chamou muito a atenção. Era de um dos repórteres do serviço, um dos novos. Eu o conhecia pessoalmente – afinal, quem eu não conhecia? Chamava-se Carlos. Era um rapaz recém formado. Não tinha vínculos com o Jornal ainda, estava estagiando, de experiência. 

   Bom, Carlos trabalhava ali há quase um mês e meio. Mesmo assim, eu já o conhecia suficientemente para chocar-me com a notícia que acabara de ler. Imprimi em uma lauda e reli detalhadamente o que já havia lido duas vezes pela tela do computador. Era inacreditável. Fiquei perplexo e estupefato. Não me contentando, reli novamente e depois ainda uma outra vez. Quando, insatisfeito com a leitura, tentei reler mais uma vez e não consegui, pois minhas mãos estavam frouxas. 

   Sentei-me sem ao menos ter notado que havia levantando. Cocei a cabeça matutando as ideias. Meus olhos giravam do papel para a tela, do papel para a mesa, do papel para as pessoas a minha volta. Meu transtorno me deixou suado, quase pingando. Procurei minha garrafinha de água e pela primeira vez, em trinta anos de serviço, eu não a encontrei. Abalado com a notícia que transitava meus pensamentos, comecei a desforrar minha impaciência na garrafa sumida. Olhei até debaixo dos papéis onde seu volume não caberia. Revirei a minha mesa como se isso fosse me trazer paz e sossego. Por fim, quando minha mesa já estava um caos, lembrei-me do Carlos e de que fora ele quem havia escrito a notícia que transmutara a minha vida. Num passe de mágicas, a garrafinha sumida permaneceu como antes: sumida. Minha total atenção agora era para aquele sujeito que, pensando bem, eu não gostava quase nada e mal conhecia.

Levantei de um pulo da cadeira – a qual eu nem sequer havia percebido que estava sentado – já gritando pelo Carlos. O barulho era uma coisa tão comum na redação que sequer me ouviram chamando seu nome. Repeti com mais ênfase: “ô, Caaarlos” – até alonguei sua primeira vogal como a testar-lhe a acentuação da palavra. Novamente não me deram ouvidos. Comecei a rodar minha cabeça de um lado para o outro. “Onde anda aquele maldito moleque?” - pensei comigo mesmo. 

   Não o via por ali. O jeito era rodar o local todo no seu encalço. Assim o fiz, procurei-o primeiramente na sua mesa. Nada daquele peste. Depois fui até a cozinha – pensei que como estava perto da hora do lanche que ele poderia estar por ali. Não estava. Lembrei-me daquele ditado idiota que todos sempre usam – inclusive eu – ‘quem tem boca vai a Roma’, e comecei a perguntar pelo Carlos. O problema era que todos estavam mais ocupados do que o normal naquele dia. Ninguém parava pra me responder e isso estava me matando. 

   Cansado de rodar de lá pra cá sentei-me num banquinho perto dos banheiros. Eis que sai de lá de dentro do banheiro, o Rodrigo – amigo de faculdade do Carlos – conversando com um dos chefes da redação. Prestei atenção no que diziam, esperando minha vez para poder perguntar do fulano e pesquei uma frase solta: “...coitado do Carlos. Ficou em casa arrasado com o fato, mas, mesmo assim, fez questão de escrever a nota e enviar pra redação. Isso é que é amigo!” - disse o chefe do Rodrigo - "Ele se afeiçoou mesmo ao Souza, né?! E em tão pouco tempo..."

   "O Carlos sempre disse que o Souza era o pai que ele nunca teve!" - disse o Rodrigo pro seu chefe.

  “Então o danado estava em casa? Que molenga! Escreve um absurdo daqueles e ainda fica em casa como se fosse vítima.” – falei. 

    Antes que o Rodrigo pudesse se afastar, ouvi o Armando gritando lá do outro setor: 

 “Ô, Digão! Quem vai limpar a mesa do Souza? Tá tudo esparramado.” 

   Só me faltava aquela; confuso, mas nervoso, interpelei: “que limpar a minha mesa o quê, ou?!” 

   Mas não me deram ouvidos, e foi o chefe do Rodrigo quem respondeu: 

 “Deixa tudo aí, Armando. A esposa do falecido vem buscar tudo hoje ainda. Não esquece de fazer uma cópia da homenagem que o Carlos escreveu pro Souza, tá? Vamos ler lá no velório!” 

   Na hora eu pensei: “Até que o Carlos não era de todo um mau sujeito.” 





Publicado originalmente no dia 12 de dezembro de 2010, domingo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário