quarta-feira, 25 de março de 2015

Entrevista (Parte II) (revisão)


E continuando aquele conto/reflexão que postei há pouco:


- Mas, me diga, o que o aflige?

- Bom, pra começar, não paro de pensar no “conhecer-se”... está se tornando um hábito... estou... estou... preocupado, talvez.

- Hum – exclamou o entrevistador – mas por que pensa tanto nisso?

- Veja – disse interrompendo o outro – toda religião faz esse discurso, todo mestre prega a mesma filosofia, todo livro de autoajuda tem um capítulo sobre o assunto, todo ser humano cita esta frase numa conversa... mas por que diabos as pessoas não se movem na direção deste conhecimento?

- Olha, tal...

- Não entendo o motivo de tanta hipocrisia, como um assunto pode ser tão disseminado e nunca ser absorvido. O que mais ouço nas ruas e das pessoas que eu conheço é “eu sei, eu sei...”, mas se realmente soubessem não perderiam mais tempo com nada na vida a não ser o conhecimento de si mesmas.

O entrevistador ficou de cabeça baixa, pensativo, sem contudo perder a fisionomia de intelectual sabido. Segurava o queixo com a mão esquerda e o bloco de perguntas com a direita. O entrevistado estava deitado numa espécie de divã, que na verdade era a sua cama, onde tinha a maioria de suas reflexões. Ficaram calados por alguns minutos e por fim continuaram.

- Quer me dizer por que é que você acha que as pessoas têm que se conhecer, por que é que você pensa que alguém quer isso para própria vida?

Riu com escárnio, fortemente, debochou da pergunta, mas mesmo assim respondeu.

- E por que não?! – exaltando o absurdo – Se todos só falam nisso, por qual motivo não iriam praticar o que acreditam? Por que é que...

- Pare de bancar o tolo – disse em bom som o entrevistador – quem você conhece que pratica o que prega? Quem é que dá atenção a isso? Quem se importa ou não em se conhecer?

As palavras reverberavam pela sala (quarto) até atingirem o nada. Os dois permaneceram em silêncio por, talvez, horas. As sombras da tarde tomavam as luzes da janela. O silêncio se partiu.

- É um caminho de solidão. Sempre ouvi isso também – disse o entrevistado – sempre soube e venho me acostumando cada dia mais. Quando estou escrevendo, quando realmente estou escrevendo, me sinto confortável na presença da solidão. Bem da verdade a prefiro. – levou os braços para trás, entrelaçou os dedos e colocou as mãos por sob a cabeça – Começo a entender o que realmente me importa. Não sinto medo, receio talvez, um pouco de dúvida, mas não penso em voltar atrás.

- Só se sente assim quando escreve?

- Não mais, às vezes quando estou caminhando, lendo, conversando, ouvindo música... eu estou lá em uma tarefa, daí eu começo a prestar atenção... é, é essa a palavra: atenção. Começo a prestar atenção na minha respiração e percebo o quê de fato estou fazendo. Quando acontece isso eu não consigo mais agir normalmente, sabe? Eu começo a me questionar sobre o que está acontecendo ali, naquele instante. Ouço o ruído do ar perpassando minhas narinas e concentro nisso e, se alguma outra coisa acontece à minha volta ou alguém fala comigo, é como se isso não mais importasse. Ali, naquele instante, o que vale é a intensidade com que eu entendo o momento. Penso muito nisso, parece que nada existe, sabe?

Não ouviu resposta. Olhou para trás onde estava, outrora, o entrevistador. Nada mais estava ali além de si mesmo. E, mesmo achando estranho, não se incomodou. Já não era a primeira vez, não seria a última. 


Publicado originalmente no dia 2 de julho de 2010, Sexta-feira.


A vontade de nos conhecermos sempre esteve em alta, ao menos para aqueles que se dedicam ou se importam. Ainda vejo muitos buscando o autoconhecimento externamente, nunca em si mesmos. Parar, respirar, refletir, está se tornando um privilégio de poucos. As religiões e alguns falsos gurus continuam disseminando essa necessidade, reivindicando - para si próprios - a luz e o caminho, como se eles fossem a solução para a tal "salvação". Não se iludam, a verdade não está lá fora - como diria Chris Carter - está num lugar muito mais fácil de se acessar e bem mais profundo. Outorgar o seu autoconhecimento para terceiros debilita a sua capacidade de ser por si mesmo. Não acreditem nos falsos profetas. Só você pode conhecer a si mesmo, ninguém pode te conhecer por você. Respire...

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